sábado, 7 de março de 2009

CAPÍTULO 1 : CAMPINAS COMO PALCO DA PROSTITUIÇÃO

Campinas vivenciou, a partir da década de 60, um período de significativo desenvolvimento econômico, como resultante das metas do Presidente Juscelino Kubitschek, que pretendia o crescimento industrial em todo o país, realizando o desenvolvimento de 50 anos em cinco, segundo o slogan de seu governo.

Com a crise nas áreas rurais, muitas famílias deixaram suas cidades e foram à procura de uma nova oportunidade nas regiões em ascensão tecnológica. Campinas, nessa época, estava no auge do crescimento e começava a abrigar pessoas vindas das mais diversas regiões do país. Sua localização estratégica, sua proximidade com São Paulo, a capital do Estado, e a presença, naqueles anos, de um pólo industrial em formação, favoreceram esse êxodo.

De 1940 a 1970, a população do município cresceu a uma taxa anual média superior a 4%, quando comparada ao índice de crescimento por bairro no Brasil, segundo a Secretaria de Planejamento da Prefeitura de Campinas.

Apesar do desenvolvimento, a oferta de mão-de-obra não correspondia aos anseios de toda a população que procurava por uma vaga no mercado de trabalho. Os salários pagos pelas indústrias também não permitiam um padrão de vida razoável para os migrantes.

A elite campineira começa, então, a se preocupar com a imagem e com a valorização das terras centrais. Nessa fase, entre os anos 60 e 70, a Prefeitura demoliu o histórico Teatro Municipal, em um processo nebuloso, ficando seu terreno, anos mais tarde, de posse de um grupo econômico liderado pelas lojas C&A Com a demolição do Teatro, o centro comercial se expandiu, produzindo não apenas sua valorização, como a de bairros mais centrais.

Muitos bairros vizinhos ao centro foram surgindo para abrigar esses novos moradores, alastrando Campinas para as regiões rurais que a cercavam e avançando os limites da rodovia Anhangüera, a Sudoeste da cidade, região que conheceria nas décadas de 70 e 80 o mais vigoroso e rápido crescimento na história da América Latina.

Foi nesse contexto histórico que surgiu o bairro Jardim Itatinga, com o crescimento e a necessidade de preservar as regiões que poderiam ser abaladas e desvalorizadas pela presença de prostitutas e das casas que as abrigavam, localizadas na região central da cidade.
J.P.Barruel (1960, p. 121) explica a necessidade de um isolamento da prostituição do convívio social, o que pode ser aplicado no entendimento desse processo no Jardim Itatinga:

"Alguns, vendo na prostituição um mal, mas um mal ‘inevitável’ e de certa forma, ‘necessário’, pretendem submeter às mulheres que se dedicam a seu exercício a um regime de exceção, que seja regimentado, e de certo modo, organizado. É o sistema chamado ‘regulamentarista’, que propõem como primeira medida a constituição de ‘zonas’ especializadas onde serão reunidos os bordéis".

A tese regulamentarista baseia-se, principalmente, na argumentação:
o confinamento das prostitutas limpa a cidade separando-as do seio da comunidade familiar;
o zoneamento de prostitutas possibilita a fiscalização da saúde das mulheres, sendo uma forma de combate às doenças venéreas;
o controle das prostitutas pelo zoneamento e fichamento das mulheres, facilita a atuação do trabalho policial, abrindo possibilidade de realização de um eficiente combate a crimes prioritários.

Com o surto de desenvolvimento, surgem favelas em Campinas, as áreas isoladas com condições precárias e também a população marginalizada. Aproveitando-se desse contexto, a especulação imobiliária deflagra um processo de loteamento de várias áreas, em especial em uma zona rural, afastada aproximadamente oito quilômetros do centro e próxima do Aeroporto Internacional de Viracopos - à época já com perspectivas de se tornar um dos principais do país – onde, mais tarde, se formaria a zona do meretrício, o local onde se deu o confinamento da prostituição.
A especulação imobiliária provocou ainda uma adesão imediata de interessados em explorar a prostituição à nova oportunidade: tornarem-se proprietários de bordéis. Segundo a antropóloga Regina Mazzariol, autora de dissertação sobre o confinamento, o loteamento do Jardim Itatinga foi aberto em 1957 e parcialmente vendido naquele mesmo ano. Mas os proprietários eram trabalhadores das mais diferentes áreas que optaram pela região em virtude dos preços acessíveis.

Somente em 1965 é que surge a iniciativa de se retirar as prostitutas e os bordéis que proliferavam em uma região do centro da cidade, encravada entre o Mercado Municipal e a Estação da extinta Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Era o fim de um convívio social intolerável e a efetivação de uma ação conjunta entre a polícia, a imprensa que, de acordo com o investigador de polícia Borges, através das notícias divulgadas no Correio Popular e Diário do Povo, expunha a prostituta e as esteriotipava como desobediente à ordem social, a Igreja, que, atendendo aos reclamos da sociedade cristã e aos seus dogmas, não as aceitava, e, por fim, a prefeitura que, direta ou indiretamente, provocou o chamado confinamento, ou seja, o isolamento das prostitutas numa área essencialmente rural e distante.
A zona, criada exclusivamente para esse fim, chama a atenção de todo o país. Com o alastramento da notícia e iludidas pelo dinheiro que poderiam ganhar por meio da prostituição, provocam um aumento excessivo do número de mulheres no bairro.

O crescimento desordenado é responsável pela criminalidade, excesso do uso de álcool e dos demais tipos de drogas, que calharam com a fama e estigmatização do bairro como uma região perigosa e propícia aos mais variados tipos de crimes e freqüentadores com os mais diversos perfis.

É, em decorrência desses fatores, que surgem as organizações não governamentais que pretendiam amenizar os problemas enfrentados pelas mulheres. A Igreja Católica cria o núcleo da pastoral de apoio às mulheres marginalizadas e, após um longo período instalado numa pequena unidade no bairro, ganha amplitude e melhores condições no atendimento às mulheres.
Além da Igreja Católica, outras igrejas começaram a se preocupar com a situação do bairro e de suas moradoras. Através de uma equipe de jovens, coordenada pela pastoral, a Igreja Universal realiza freqüentes visitas buscando o resgate social das mulheres.

Um centro de saúde também é criado em razão do quadro clínico das moradoras, que era preocupante, com altos índices de doenças sexualmente transmissíveis, confirmados na região.
Uma organização não governamental é ainda responsável pela criação da creche, que recebe crianças com o objetivo de dar um apoio extracurricular na formação escolar.

O Jardim Itatinga passa, então, por um processo reversivo, do ponto de vista do confinamento. A violência, traduzida em homicídios e assassinatos passionais, no tráfico de drogas, elementos que constituem ameaça aos freqüentadores, leva ao esvaziamento da zona do meretrício, permitindo o retorno da prostituição ao centro no final da década de 80.

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