sábado, 7 de março de 2009

CAPÍTULO 5: NAS PÁGINAS POLICIAIS

A fama do Jardim Itatinga nos anos anteriores foi abalada ante as notícias das páginas policiais dos jornais da época – Diário do Povo e Correio Popular. Crescentes, a violência e a criminalidade no bairro começavam a tomar grandes proporções, o que se explica pela mistura incerta de mulheres, bebidas, drogas e pela inexperiência daquelas prostitutas de lidar com dinheiro.

Conhecido como Caso Ênio Buck, o crime cometido no bairro Jardim Itatinga, no dia 1º de março de 1979, deu início ao processo de decadência. A violência passa a ritmar as noites de boêmia regadas a bebidas e dinheiro e principia por esvaziar as casas de bons clientes e a por um fim ao glamour.

Osmar dos Santos, na época com 22 anos e solteiro, era garçom na casa de Laudevina Borges. Uma casa luxuosa e com boa freqüência. Sem motivos aparentes, por volta das 19h30, Osmar se dirigiu ao quarto de Sônia, como Laudevina era conhecida. Ela estava repousando e tentando se recuperar de uma recente intervenção cirúrgica.
Sem que pudesse se defender, Sônia foi esfaqueada por Osmar. Em seguida, o garçom saiu do bairro num táxi, conduzido pelo motorista Luiz Leite Monteiro, que estava ciente do crime praticado. Com marcas de sangue nas roupas e no corpo, Osmar seguiu no sentido de São Paulo.
A polícia tinha sido avisada e os procurava. Após passarem pelo pedágio, da Rodovia dos Bandeirantes, próximo ao Município de Cajamar, em torno das 21h daquele mesmo dia, foram presos em flagrante. Foram levados à Delegacia daquela cidade, a fim de prestar depoimento.

A polícia suspeitava que o crime fora cometido a mando de Ênio Buck, ex-amásio da vítima, que trabalhava no local e já respondia por um processo aberto por ela, alegando agressões físicas.
No boletim de ocorrência da delegacia, Osmar afirma que cometera o crime a mando de Ênio, que lhe prometeu a recompensa de um milhão de cruzeiros.

Ênio tinha objetivos pessoais. Embora já estivesse morando com outra mulher, Wilma, ele tentava incansavelmente recuperar a exploração da rendosa casa de Sônia. Freqüentemente procurava pelos funcionários da mulher e os remetia ao seu advogado para que propusessem demandas trabalhistas contra ela.

Osmar conta ainda, em seu depoimento, que Ênio o instruiu a pegar um táxi e sair do bairro logo após o crime. Nada foi provado até então. As testemunhas diziam ter ouvido falar que ele era o mandante, mas não podiam confirmar a informação.

Ênio Buck, por sua vez, alegava que conhecera Osmar dos Santos casualmente no escritório de seu advogado. Ênio pedia reintegração de posse da casa de Laudevina, alegando ser seu sócio. Em resposta, o interventor de Sônia fez acordo com Ênio, arquivando o processo. A situação do pedido de posse significou um forte indício de co-autoria no crime e assim, o promotor o pronunciou.

Osmar e Ênio foram submetidos a júri popular. Ênio respondeu ao processo em liberdade mas começou a aterrorizar as testemunhas e oferecer-lhes dinheiro. Por esse motivo, foi decretada sua prisão preventiva. Seu advogado pediu a retirada de Ênio da Cadeia Pública para realizar internação na casa de Saúde Dr Bierrembach de Castro, em Campinas, por seu alegado mau estado clínico psiquiátrico. Queria um tratamento particular permanente. Alegava o advogado que Ênio causou auto-lesões graves.

Na seqüência foi pedido habeas corpus de Ênio. Negado, foi a júri e o tribunal o declarou inocente por cinco votos a dois. O resultado da sentença: Osmar dos Santos foi preso por quatro anos e Ênio Buck absolvido.

O promotor público entrou com recursos e Ênio foi novamente ao tribunal do júri. Ênio anexa ao seu processo um atestado médico dizendo que fez ponte de safena em 8 de setembro.
Na sentença foi declarado culpado e deveria cumprir uma pena de 12 anos de prisão, de acordo com o artigo 121 .

Em seguida, a Justiça recebe o requerimento de internação de Ênio Buck, por problemas de coração e ele é internado no Hospital Irmãos Penteado, com escolta permanente. Foram inúmeros os pedidos para que respondesse em liberdade, porém, todos negados.
Em 14 de dezembro de 1979, Ênio Buck foge do hospital e todos os órgãos de polícia passam a procurá-lo sem sucesso. Dezesseis anos depois, em 1º de outubro de 1997, ele pede a extinção de sua punibilidade e não há mais nada que a justiça possa fazer.

Ênio Buck foi localizado pelas autoras do livro no Estado do Rio de Janeiro, mas ele se negou a falar a respeito. Sua esposa, ao atender o telefone, disse que ele não estava. Em outras ligações, disse que Ênio não gostaria de falar. E, quando finalmente ele atendeu, alegou que nunca esteve em Campinas, que não conhece o Itatinga e que não poderia ajudar.

Em contradição ao processo criminal, o investigador de polícia, Antônio Lázaro Constanzo afirma que Ênio não teve qualquer ligação com o crime. Para ele, o caso explica-se pelo relacionamento entre Laudevina e o garçom Osmar, dependente químico, que teria cometido o crime devido a uma discussão salarial. Para o investigador, Ênio Buck faleceu em 2002.

Assim, como esse violento assassinato distanciou os clientes, atraiu a polícia e a imprensa, que passaram a dar uma atenção especial à transformação do bairro. Todo aquele tempo de luxúria foi acabando. O sucesso foi ascendente mas na década de 80 iniciou seu processo degradante. Esse foi o crime de maior repercussão na época. O Jardim Itatinga, desde então, dá continuidade a um processo de decadência e de uma crescente violência.

Segundo Lazinho, um dos motivos que levaram a criminalidade e as drogas ao Jardim Itatinga, foi a chegada de Ruth Mansur. " Quando ela veio para cá, vieram quadrilhas e quadrilhas atrás dele e aí o Jardim Itatinga bagunçou de vez. Foi quando os homens começaram a tomar conta da prostituição e o tráfico de drogas atingiu alta escala."

Os crimes, como roubos, furtos e acidentes de veículos, em conseqüência da ação de marginais, não saem nos jornais. Trata-se de uma omissão por parte dos envolvidos, que se negam a registrar ocorrências pelo receio da difamação por conta de estar na zona do meretrício.
Começa então um processo de reversão do confinamento da prostituição em Campinas. Nos anos 90 ela está de volta à região central e presente em outros lugares da cidade e também nos anúncios de jornais, em hotéis, em motéis, em casas de prostituição de luxo e renome na cidade.

A mesma sociedade, ou parcela, que as distanciou do convívio social é aquela que vai ao Jardim Itatinga, atraída pela especulação imobiliária e para sustentar a prostituição no bairro. É também essa mesma sociedade que encontra prostitutas nas calçadas, bares, praças, shoppings e restaurantes de Campinas, sem que sejam diferenciadas como tais.

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