sábado, 7 de março de 2009

CAPÍTULO 6: MEMÓRIAS DE UMA DAMA

Este capítulo relata a história de uma personagem que acompanhou a trajetória do Jardim Itatinga e que ainda faz parte dele. Dinah, aos 16 anos, saiu de casa em busca de sua independência. Ainda menina, cheia de sonhos e ideal, não sabia o que o mundo da prostituição reservava a ela. Sem estudos, por opção, deixou para trás pais e irmãos, uma família humilde com pudores, em busca de uma nova vida e ela a encontrou.

Iniciou-se na prostituição em Santos, no litoral paulista. Naquela cidade soube da existência do Jardim Itatinga, um bairro em formação em Campinas. A informação a atraiu. Dirigiu-se à cidade, atrás de dinheiro e fama que aquela vida supostamente ofereceria.
Quando chegou, encontrou as primeiras seis casas, que traziam em seus nomes, uma experiência de quem já atuara em outros pontos da cidade, como a Paraguaia, a Maria Lúcia e outras. Começou então, a trabalhar na casa da Maria Lúcia, onde conquistou a admiração de muitos homens por sua beleza natural e pela simpatia. "Era minha alegria de viver que irradiava", lembra Dinah.

Confessa hoje, que aquela alegria não era real. Havia nela tristeza e arrependimento pela escolha. Conhecida como Dama da Noite, aquela linda mulher se envolveu com os mais diferentes homens, ganhou dinheiro, fama e respeito entre as prostitutas do bairro.
Cabelos claros, cintura fina e o corpo seguindo o alinho daquela época, a Dama da Noite realmente encantava com seu sorriso. Atraía novos homens a cada dia e já era considerada uma das mais belas.

Viveu alguns romances, teve um namoro estável que lhe traz saudade. Aos 23 anos, envolveu-se com um rapaz de 16, segundo ela, seu único grande amor. Esse relacionamento se sustentava sob duras mentiras, que ela mesma contava.

Sem explicar muito, dizia que o dinheiro que recebia era de seu pai, supostamente um fazendeiro muito rico. Ela mentia sobre sua vida, sobre seu nome. Para seu amor ela era Deise, uma delicada mulher, filha de pais ricos e que esperava uma grande herança.

Decidiu, então, comprar um carro com o dinheiro da prostituição. Mas era preciso comprovar a identidade e seu namorado não poderia saber da grande farsa. Através da confiança e do relacionamento com a família do rapaz, comprou o carro em nome do pai dele.

Mais tarde, esse relacionamento chegaria ao fim. Não podendo mais se sustentar sobre mentiras e temendo ferir o namorado com a verdade de sua vida, decidiu romper e continuar na prostituição. Seguiu seu caminho, agora sozinha e guardando a mágoa de uma relação fracassada.
Dinah começou a ganhar muito dinheiro. Eram jóias de valor compradas toda semana. Investia em casas, terrenos e carros, conquistando um admirável patrimônio. Foi quando surgiu outra pessoa em sua vida, que, sem prometer nada, lhe ofereceria uma vida a dois distante da solidão que tanto temia.

Mesmo sendo linda e desejada pelos homens, a vaidade causava-lhe inquietação. Mudava a cor dos cabelos, submetia-se à cirurgias plásticas – uma ousadia na época – operou seus olhos tentando deixá-los puxados como os orientais, colocou silicone por todo seu corpo, acentuando suas curvas. No rosto, aplicou duas injeções de silicone para que suas bochechas ficassem ainda mais salientes.

Seu desejo, naquele momento, era se casar, mesmo sem amor, para não envelhecer sozinha. Queria um lugarzinho, sua casa para ter seus cachorros e um marido, tudo bem distante daquele mundo do Jardim Itatinga. Ela o conheceu no bairro, enquanto ela trabalhava e foi, então, que decidiram se casar.

Sua família, que a considerava uma ovelha negra, sabia de sua profissão e seu pai veio para a cerimônia de casamento no civil. Seu irmão tentou tirá-la da vida no prostíbulo, mas ela o questionou sobre seu sustento, se ele o faria. Ela sairia da prostituição se tivesse, fora dali, o mesmo padrão de vida. Em vão.

Após o casamento, continuou trabalhando no Itatinga. Seu marido, aos poucos, foi acabando com sua vida. Viciado em jogos, perdia todos os bens materiais por ela conquistados. Sem meios de contestar, ela cedia sob ameaças. O casamento, realizado sob o regime de separação parcial de bens, não despertava indícios de interesses por parte dele.

Quando sua situação financeira já estava comprometida com as dívidas do marido, começou a penhorar jóias, não mais recuperadas. Reflexo desses maus momentos é o presente: Dinah vive apenas com o que restou de sua opulência: uma casa, no mesmo Jardim Itatinga e nada mais.
Ela descobriu, anos depois do seu casamento, o mal que cometera. O homem com quem se casara, já tinha um filho. Não mais suportando tal situação, ela se separou. Seu marido seguiu sua vida, com outras mulheres e o mesmo vício que a levara à falência.

Dinah foi envelhecendo e seu corpo já não resistia mais ao ritmo do Jardim Itatinga. Ela tentou voltar para a sua terra natal, Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Alugava sua casa e, sem contrato que lhe assegurasse o pagamento, voltava para despejar o inquilino e arcar com as despesas deixadas pelo mau uso.

Por esse motivo e por não conseguir vender a casa pelo valor que julgava coerente, não pôde nunca deixar o Itatinga para viver uma nova vida. Prostituiu-se até os 60 anos de idade e só deixou de fazê-lo por uma doença da velhice, conseqüente das aplicações de silicone.
Aos 64 anos de idade, ela se lembra com tristeza e guarda, amargurada, vestígios do seu marcante passado. Seus olhos expressam claramente sua revolta. Pede a Deus mais 60 anos para que possa desfrutar da vida, como se fosse possível renascer.

Sem filhos, diz que nunca gostou de crianças. Agitada e de personalidade forte, sempre foi agredida pelos colegas de escola quando pequena e afirma que não aceita agressões às crianças, mas as quer bem longe de suas vistas. Embora diga que não goste, carrega mágoa por nunca ter conseguido engravidar, mesmo sem métodos contraceptivos.

Sua velhice é de solidão. Marcada pela indiferença de seus familiares e amigos que só se mostravam presentes enquanto os sustentava com o dinheiro da prostituição. Perdeu sua beleza, sua saúde, seus bens e a única coisa que havia conquistado no Itatinga e que a motivou passar por tudo isso: o dinheiro.

Hoje conta apenas com uma enfermeira do posto de saúde do bairro, definida por ela como um "anjo que cruzou o seu caminho". Sobrevive de doações de cestas básicas, de visitas esporádicas de assistentes sociais e sua renda está no aluguel de um dos quartos de sua casa.

Mesmo debilitada, ainda cuida de tarefas domésticas e de seus cachorros – suas únicas companhias. Administra seus próprios remédios e faz seus curativos aos fins de semana, quando o posto não está em funcionamento. Já aprendeu a conviver com dores constantes na perna e sua lucidez a permite ser independente.

Seu rosto exprime marcas de um amargo passado e de uma vida mal vivida. E assim também o é com seu corpo. Todo o silicone que deu formas e beleza à sua juventude, hoje a deforma. Rosto inchado, sem brilho. Olhos sofridos e que já não enxergam tão bem, um efeito colateral de antibióticos.

Apegada a Deus e à religião, diz que não se sente só, pois Ele nunca abandona ninguém. Fraternal e carinhosa, ainda tem encantos e, ao falar, demonstra um jeito de avó numa relação com os netos. Ao se despedir, ainda pede que Deus abençoe.

Seu desejo se limita a conseguir vaga em um asilo, em Ribeirão Preto, longe do Itatinga e de tudo que lembre seu passado. Quer tricô e conversa com outras senhoras que lhe façam companhia. Quer o dinheiro que sua casa vale para se sustentar longe daqui e, decididamente, acabar com qualquer vínculo com a zona do meretrício que fez da sua vida uma história para ser esquecida por ela e documentada na história do bairro.

Nenhum comentário: