sábado, 7 de março de 2009

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mais do que contar a história do Jardim Itatinga e de sua realidade, há algo, neste livro, que impressionou mais suas autoras, que teve maior impacto em suas vidas e as conduziu a uma reflexão. Diferente da prostituição encontrada em outros lugares das grandes cidades, o Itatinga assemelha-se a uma grande família.

São centenas de mulheres que se uniram para lutar por algo em comum: a sobrevivência na prostituição. Impossível seria traçar um perfil dessas mulheres. Elas vêm e vão para qualquer lugar. Umas têm, outras não, mas todas carregam uma esperança, um desejo: o de ter, fazer ou ser parte de uma família.

Ali, existem amizade, protecionismo, relações próximas, intimidades e um carinho muito evidente entre as meninas. Por outro lado, em alguns lugares esta relação não parece ser tão amigável. Afinal, há um jogo de interesses, a busca pelo dinheiro e a lucratividade que muitas vezes provoca rupturas, algumas violentas.

Os confrontos e conflitos vivenciados, entre eles o fato de as famílias não aceitarem sua condição, a mentira que tal situação gera, a distância de seus filhos, a humilhação e sofrimentos tão comumente vividos por aquelas meninas dificilmente são evidenciados ou demonstrados. Elas parecem viver alheias em um universo distante dos problemas, fator que tem atraído os homens nos últimos 40 anos.

As mulheres do Itatinga são como as demais mulheres. Porém, vão além de simples prostitutas. Elas se dedicam ao trabalho, não têm preconceitos – ou, pelo menos, não os tornam perceptíveis - não há doença ou atestado médico que justifique um dia sem trabalho. Não há tristeza que seja mais importante do que ‘bater o ponto’.

Nessa relação, homens procuram pelo sexo, por uma mulher bem disposta, sem pudores, sem problemas, sem assuntos de casa, filhos ou contas a pagar, procuram pelo carinho, pela conversa, pela superação do ego e pela certeza de sua virilidade. Diferentemente do lar, do relacionamento com suas esposas, eles encontram a mulher sempre disposta ao prazer e distante dos problemas do cotidiano. É por isso que sempre voltam.

As mulheres? Ah, essas mulheres têm sonhos, têm fantasias sexuais, têm dentro de si a vontade de viver um grande amor, não daqueles que as distancie de sua independência. Ninguém ali quer ser submissa ou lavar cuecas. Elas querem mais. Elas são donas de si e do dinheiro que ganham e, como ninguém, dão valor a isso.

Mas há um lado obscuro do Jardim Itatinga. Quem passa pelas suas ruas não o vê, mas é uma realidade vivida dentro dos quartos. Trata-se da incerteza de quem pagará pelo programa e do que as espera, agressões verbais e físicas, o sexo extravasado e sem limites, a obrigação superando a vontade e o prazer.

O que está nas ruas e nas casas é a sensualidade, o salto alto – digno das maiores fantasias masculinas – sob as calçadas e o asfalto, as lingeries, o corpo, às vezes, bem cuidado, cabelos bem tratados, roupas curtas e provocantes, enfim, são perfis iguais aos de muitas mulheres casadas. Mas a experiência, as tantas maneiras de prender um homem na cama, indiscutivelmente, este poder elas detêm.

Mas então é isso: a falta de compromisso que os atrai. Não há flores no dia seguinte. Não há envolvimento, ligação para dizer que teve uma noite maravilhosa, ou seja, tudo o que qualquer mulher gostaria. Mas quem disse que elas são diferentes? Há uma essência feminina e romântica que as fazem tão carentes como as outras.

Escrever a história de um bairro criado para confinar prostitutas – leia-se isolá-las de um convívio com a sociedade – não foi simples, mas entende-se esse livro como um documento de referência histórica de um lugar em Campinas, de um comportamento social, da influente ação conjunta da sociedade, igreja, imprensa, política e policial em busca de algo.

Atualmente, o processo reversivo mostra que esse tipo de ação, prioritariamente hipócrita e preconceituosa, não tem tanta eficácia a longo prazo e que, nas atuais circunstâncias e condições, a sociedade que as confinou está urbanizando a área, atraída pelo baixo custo dos terrenos e expandindo o bairro, numa audaciosa convivência entre bordéis e casas de famílias.
O confinamento não foi efetivo, foi apenas uma consolidação dos anseios preconceituosos de uma sociedade apoiada por forte vertente política. Mas não há meios de distanciar as classes menos favorecidas ou com comportamentos considerados ‘desviantes’. São problemas sociais que merecem atenção, não mais preconceitos.

Não há como incentivar o fim ou a continuidade da prostituição, não há como defini-la nem julgá-la como certa ou errada. Há que se atentar de que é uma realidade, existente em quase todas as sociedades e que é sustentada pelas mesmas pessoas que a excluem.
De que forma poderia ser um confinamento eficiente no caso de uma cidade como Campinas, em constante ascensão tecnológica e industrial, que atrai centenas de pessoas a cada ano em busca de oportunidades profissionais?

Entre ganhar um salário mínimo de duzentos e quarenta reais como empregada doméstica e receber, em média, dois mil por mês, há quem opte pela segunda opção na dura tentativa de sustentar suas famílias: as prostitutas.

O legado da prostituição é isso: dias vividos intensamente, anos passando mais depressa, marcas do tempo explícitas em seus rostos, amargura de uma infelicidade e insucesso constantes, uma vida profissional curta e dependente da aparência física e uma incerteza do que será do amanhã.
Esta é a história do Jardim Itatinga desde seu início. E então, você acredita que isso seja mesmo um mal necessário?

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